sábado, 31 de maio de 2014

Trinta dicas "infalíveis" para escrever bem

As barbaridades que circulam na internet sobre o mau uso do idioma

1. Deve-se evitar ao máx. a utiliz. de abrev. etc.

2. É desnecessário empregar estilo de escrita demasiadamente rebuscado. Tal prática advém de esmero excessivo que raia o exibicionismo narcisístico.

3. Anule aliterações altamente abusivas.

4. não esqueça as maiúsculas no início das frases.

5. Evite lugares-comuns como o diabo foge da cruz.

6. O uso de parênteses (mesmo quando for relevante) é desnecessário.

7. Estrangeirismos estão out; palavras de origem portuguesa estão in.

8. Evite o emprego de gíria, mesmo que pareça nice, sacou?? ...então valeu!


9. "Porra", palavras de baixo calão podem transformar seu texto numa "merda".

10. Nunca generalize: generalizar é um erro em todas as situações.

11. Evite repetir a mesma palavra, pois essa palavra vai ficar uma palavra repetitiva. A repetição da palavra vai fazer com que a palavra repetida desqualifique o texto em que a palavra se encontra repetida.

12. Não abuse das citações. Como costuma dizer um amigo meu: "Quem cita os outros não tem idéias próprias".

13. Frases incompletas podem causar

14. Não seja redundante, não é preciso dizer a mesma coisa de formas diferentes; isto é, basta mencionar cada argumento uma só vez, ou, por outras palavras, não repita a mesma idéia várias vezes.

15. Seja mais ou menos específico.

16. Frases com apenas uma palavra? Jamais!

17. A voz passiva deve ser evitada.

18. Utilize a pontuação corretamente especialmente o ponto e a vírgula pois a frase poderá ficar sem sentido será que ninguém mais sabe utilizar o ponto de interrogação

19. Quem precisa de perguntas retóricas?

20. Conforme recomenda a A.G.O.P, nunca use siglas desconhecidas.

21. Exagerar é cem milhões de vezes pior do que a moderação.

22. Evite mesóclises. Repita comigo: "mesóclises: evitá-las-ei!"

23. Analogias na escrita são tão úteis quanto chifres numa galinha.

24.
Não abuse das exclamações! Nunca!!! O texto fica horrível!!!!!

25. Evite frases exageradamente longas pois estas dificultam a compreensão das idéias nelas contidas e, por conterem mais que uma idéia central, o que nem sempre torna o seu conteúdo acessível, forçam, dessa forma, o pobre leitor a separá-la nos seus diversos componentes de forma a torná-las compreensíveis, o que não deveria ser, afinal de contas, parte do processo da leitura, hábito que devemos estimular através do uso de frases mais curtas.

26. Cuidado com a hortografia, para não estrupar a língúa portuguêza.

27. Seja incisivo e coerente; ou não...

28. Não fique escrevendo (nem falando) no gerúndio. Você vai estar deixando seu texto pobre e estar causando ambigüidade, com certeza você vai estar deixando o conteúdo esquisito, vai estar ficando com a sensação de que as coisas ainda estão acontecendo. E como você vai estar lendo este texto, tenho certeza que você vai estar prestando atenção e vai estar repassando aos seus amigos, que vão estar entendendo e vão estar pensando em não estar falando dessa maneira irritante.

29. Outra barbaridade que tu deves evitar chê, é usar muitas expressões que acabem por denunciar a região onde tu moras... nada de mandar esse trem... vixi... entendeu, bichinho?

30. Não permita que seu texto acabe por rimar, porque senão ninguém irá agüentar, já que é insuportável o mesmo final escutar, o tempo todo sem parar.


[fonte : guia do Estudante]

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Sete lições que já deveríamos ter aprendido sobre o golpe de 1964 e sua ditadura.

Há 50 anos, o Brasil foi capturado pela mais longa, mais cruel e mais tacanha ditadura de sua história. Meio século é mais que suficiente tanto para aprendermos quanto para esquecermos muitas coisas.


1ª. LIÇÃO: AQUELA FOI A PIOR DE TODAS AS DITADURAS

No período republicano, o Brasil teve duas ditaduras propriamente ditas. Além da de 1964, a de 1937, imposta por Getúlio Vargas e por ele apelidada de "Estado Novo".

A ditadura de Vargas durou oito anos (1937 a 1945). A ditadura que começou em 1964 durou 21 anos.

Vargas e seu regime fizeram prender, torturar e desaparecer muita gente, mas não na escala do que ocorreu a partir de 1964.

Os torturadores do Estado Novo eram cruéis. Mas nada se compara em intensidade e em profissionalismo sádico ao que se vê nos relatos colhidos pelo projeto "Brasil, nunca mais" ou, mais recentemente, pela Comissão da Verdade.

Em qualquer aspecto, a ditadura de 1964 não tem paralelo.

2ª. lição: QUALIFICAR A DITADURA SÓ COMO “MILITAR” ESCAMOTEIA O PAPEL DOS CIVIS

Foram os militares que deram o golpe, que indicaram os presidentes, que comandaram o aparato repressivo e deram as ordens de caçar e exterminar grupos de esquerda.

Mas a ditadura não teria se instalado não fosse o apoio civil e também a ajuda externa do governo Kennedy.

O golpismo não tinha só tanques e fuzis. Tinha partidos direitosos; veículos de imprensa agressivos; empresários com ódio de sindicatos; fazendeiros armados contra Ligas Camponesas, religiosos anticomunistas. Todos tão ou mais golpistas que os militares.

Sem os civis, os militares não iriam longe. A ditadura foi tão civil quanto militar. Tinha seu partido da ordem; sua imprensa dócil e colaboradora; seus empresários prediletos; seus cardeais a perdoar pecados.


3ª. LIÇÃO: NÃO HOUVE REVOLUÇÃO, E SIM REAÇÃO, GOLPE E DITADURA

Ernesto Geisel (presidente de 1974 a 1979) disse a seu jornalista preferido e confidente, Elio Gaspari, em 1981:

"O que houve em 1964 não foi uma revolução. As revoluções fazem-se por uma ideia, em favor de uma doutrina. Nós simplesmente fizemos um movimento para derrubar João Goulart. Foi um movimento contra, e não por alguma coisa. Era contra a subversão, contra a corrupção. Em primeiro lugar, nem a subversão nem a corrupção acabam. Você pode reprimi-las, mas não as destruirá. Era algo destinado a corrigir, não a construir algo novo, e isso não é revolução".

Quase ninguém usa mais o eufemismo “revolução” para se referir à ditadura, à exceção de alguns remanescentes da velha guarda golpista, que provavelmente ainda dormem de botinas, e alguns  desavisados, como o presidenciável Aécio Neves, que recentemente cometeu a gafe de chamar a ditadura de “revolução” (foi durante o 57º Congresso Estadual de Municípios de São Paulo, em abril de 2013).

Questionado depois por um jornal, deu uma aula sobre o uso criterioso de conceitos: “Ditadura, revolução, como quiserem”.

A ditadura foi uma reação ao governo do presidente João Goulart e à sua proposta de reformas de base: reforma agrária, política e fiscal.

4ª. LIÇÃO: A CORRUPÇÃO PROSPEROU MUITO NA DITADURA

Ditaduras são regimes corruptos por excelência. Corrupção acobertada pelo autoritarismo, pela ausência de mecanismos de controle, pela regra de que as autoridades podem tudo.

A ditadura foi pródiga em escândalos de corrupção, como o da Capemi, justo a Caixa de Pecúlio dos Militares. As grandes obras, ditas faraônicas, eram o paraíso do superfaturamento.

Também ficaram célebres o caso Lutfalla (envolvendo o ex-governador Paulo Maluf, aliás, ele próprio uma criação da ditadura) e o escândalo da Mandioca.

5ª. LIÇÃO: A DITADURA ACABOU, MAS AINDA TEM MUITO ENTULHO AUTORITÁRIO POR AÍ

O Brasil ainda tem uma polícia militar que segue regulamentos criados pela ditadura.

A Polícia Civil de S. Paulo, em outubro de 2013, enquadrou na Lei de Segurança Nacional (LSN) duas pessoas presas durante protestos.

A tortura ainda é uma realidade presente, basta lembrar o caso Amarildo.

Os corredores do Congresso ainda mostram um desfile de filhotes da ditadura - deputados e senadores que foram da velha Arena (Aliança Renovadora Nacional, que apoiava o regime).



6ª. LIÇÃO: BANALIZAR A DITADURA É ACENDER UMA VELA EM SUA HOMENAGEM

Há duas formas de se banalizar a ditadura. Uma é achar que ela não foi lá tão dura assim. A outra é chamar de ditadura a tudo o que se vê de errado pela frente.

O primeiro caso tem seu pior exemplo no uso do termo "ditabranda" no editorial da Folha de S. Paulo de 17 de fevereiro de 2009.

Para a Folha de S. Paulo, a última ditadura brasileira foi uma branda (“ditabranda”), se comparada à da Argentina e à chilena.

A ditadura brasileira de fato foi diferente da chilena e da argentina, mas nunca foi “branda”, como defende o jornal acusado de ter emprestado carros à Operação Bandeirantes, que caçava militantes de grupos de esquerda para serem presos e torturados.

Como disse a cientista política Maria Victoria Benevides, que infâmia é essa de chamar de brando um regime que prendeu, torturou, estuprou e assassinou?

A outra maneira de se banalizar a ditadura e de lhe render homenagens é não reconhecer as diferenças entre aquele regime e a atual democracia. Para alguns, qualquer coisa agora parece ditadura.

A proposta de lei antiterrorismo foi considerada uma recaída ditatorial do regime dos “comissários petistas” e mais dura que a LSN de 1969. Só que, para ser mais dura que a LSN de 1969, a proposta que tramita no Congresso deveria prever a prisão perpétua e a pena de morte.

O diplomata brasileiro que contrabandeou o senador boliviano Roger Pinto Molina para o Brasil comparou as condições da embaixada do Brasil na Bolívia à do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), a casa de tortura da ditadura.

Para se parecer com o DOI-CODI, a Embaixada brasileira em La Paz deveria estar aparelhada com pau de arara, latões para afogamento, cadeira do dragão (tipo de cadeira elétrica), palmatória etc.

Banalizar a ditadura é como acender uma vela de aniversário em sua homenagem.

7ª. LIÇÃO: JÁ PASSOU DA HORA DE PARAR COM AS HOMENAGENS OFICIAIS DE COMEMORAÇÃO DO GOLPE

Por muitos e muitos anos, os comandantes militares fizeram discursos no dia 31 de março em comemoração (isso mesmo) à “Revolução” de 1964.

A provocação oficial, em plena democracia, levou um cala-a-boca em 2011, primeiro ano da presidência Dilma. Neste mesmo ano também foi instituída a Comissão da Verdade.

A referência ao 31 de março foi inventada para evitar que a data de comemoração do golpe fosse o 1º. de abril – Dia da Mentira.

A justificativa é que, no dia 31, o general Olympio Mourão Filho, comandante da 4ª Região Militar, em Minas Gerais, começou a movimentar suas tropas em direção ao Rio de Janeiro.

Se é assim, a Independência do Brasil doravante deve ser comemorada no dia 14 de agosto, que foi a data em que o príncipe D. Pedro montou em seu cavalo para se deslocar do Rio de Janeiro para as margens do Ipiranga, no estado de São Paulo.

A palavra golpe tem esse nome por indicar a deposição de um governante do poder. No dia 1º. de abril, João Goulart, que estava no Rio de Janeiro, chegou a retornar para Brasília. Em seguida, foi para o Rio Grande do Sul e, depois, exilou-se no Uruguai  mas só em 4/4/1964. Que presidente é deposto e viaja para a capital um dia depois do golpe?

O Almanaque da Folha é um dos tantos que insistem na desinformação:
“31.mar.64 — O presidente da República, João Goulart, é deposto pelo golpe militar”. Entende-se. Afinal, trata-se do pessoal da ditabranda.

O que continua incompreensível é o livro “Os presidentes e a República”, editado pelo Arquivo Nacional, sob a chancela do Ministério da Justiça, trazer ainda a seguinte frase:

“Em 31 de março de 1964, o comandante da 4ª Região Militar, sediada em Juiz de Fora, Minas Gerais, iniciou a movimentação de tropas em direção ao Rio de Janeiro. A despeito de algumas tentativas de resistência, o presidente Goulart reconheceu a impossibilidade de oposição ao movimento militar que o destituiu”.

De novo, o conto da Carochinha do 31 de março.

Ainda mais incompreensível é o livro colocar as juntas militares de 1930 e de 1969 na lista dos presidentes da República.

A lista (errada) é reproduzida na própria página da Presidência da República como informação sobre os presidentes do Brasil.

Nem os membros das juntas esperavam tanto. A junta governativa de 1930 assinava seus atos riscando a expressão “Presidente da República”.

No caso da junta de 1969, o livro do Arquivo Nacional diz (p. 145) que o Ato Institucional nº. 12 (AI-12) "dava posse à junta militar" composta pelos ministros da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Ledo engano.

O AI-12, textualmente: “Confere aos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar as funções exercidas pelo Presidente da República, Marechal Arthur da Costa e Silva, enquanto durar sua enfermidade”. Oficialmente, o presidente continuava sendo Costa e Silva.

Há outro problema. Uma lei da física, o famoso princípio da impenetrabilidade da matéria, diz que diz que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo – que dirá três corpos.

Não há como três chefes militares ocuparem o mesmo cargo de presidente da República. Que república no mundo tem três presidentes ao mesmo tempo?

O que os membros da Junta de 1969 fizeram foi exercer as funções do presidente, ou seja, tomar o controle do governo. O AI-14/1969 declarou o cargo oficialmente vago, quando a enfermidade de Costa e Silva mostrou-se irreversível.

Os três comandantes militares jamais imaginaram que um dia seriam listados em um capítulo à parte no panteão dos presidentes. A Junta ficaria certamente satisfeita com a homenagem honrosa e, definitivamente, imerecida.

Que história, afinal, estamos contando?

Uma história que ainda não faz sentido.

Uma história cujas lições ainda nos resta aprender.


(*) Antonio Lassance é cientista político.

domingo, 11 de maio de 2014

Hobbes e o pensamento político.







Filósofo inglês do século XVII, fundador da filosofia moral e política inglesa.
Nasceu em Westport, Inglaterra, a 5 de Abril de 1588, e morreu Hardwick Hall em 4 de Dezembro de 1679.
  Nascido no ano da Invencível Armada, nasceu prematuramente devido à ansiedade da mãe, segundo ele próprio defendeu. O pai de Hobbes, um clérigo da igreja anglicana, desapareceu depois de se ter envolvido numa zaragata à porta da sua igreja, abandonando os seus três filhos aos cuidados de um seu irmão, um bem sucedido luveiro de Malmesbury.
Aos 4 anos Hobbes foi enviado para a escola, em Westport, a seguir para uma escola privada, e finalmente para Oxford onde se interessou sobretudo por livros de viagens e mapas. Quando acabou os estudos tornou-se professor privado do futuro 1.º conde de Devonshire, William Cavendish, iniciando a sua longa relação com a família Cavendish. Tornou-se muito chegado ao seu aluno, que era pouco mais novo do que ele, tornando-se seu secretário e companheiro. Assim, em 1610 Thomas Hobbes visitou a França e a Itália com o seu pupilo. Aí descobriu que a filosofia Aristotélica que tinha aprendido estava a perder influência, devido às descobertas de astrónomos como Galileo e Kepler, que formularam as leis do movimento planetário. Por isso, ao regressar a Inglaterra decidiu tornar-se um estudioso dos clássicos, tendo realizado uma tradução da História da Guerra do Peloponeso de Tucídedes, publicada em 1629, influenciada pelos problemas contemporâneos da Inglaterra .
 

Tendo voltado a viajar para o estrangeiro, com o seu novo pupilo Hobbes foi chamado a Inglaterra, em 1630, para ensinar o jovem 2.º conde de Devonshire, William Cavendish, filho do seu patrono e pupilo.
Foi durante uma nova viagem, a terceira, ao continente que se deu o ponto de viragem intelectual de Hobbes, quando descobriu os Elementos de Euclides, e a Geometria, devido à influência de Galileu, que o ajudou a clarificar as suas ideias sobre a filosofia, como qualquer coisa que podia ser demonstrada em termos positivos - «as regras e a infalibilidade da razão» - tendo escrito os Elementos do Direito, Natural e Político, que circulou manuscrito em 1640, mas que só foi publicado no século XIX, após ter chegado a Inglaterra, em 1637.

Em 1640 foi um dos primeiros emigrantes Realistas, o primeiro segundo ele próprio orgulhosamente afirmava, tendo vivido em Paris, nos onze anos seguintes. Contactou de novo co ocírculo de Mersenne, escreveu sobre Descartes e publicou o De Cive, que desenvolvia os argumentos apresentados na 2.ª parte dos Elementos, concluindo abordando as relações entre o estado e a religião. Em 1646 o príncipe de Gales, o futuro Carlos II, chegou a Paris tendo Hobbes sido convidado a ensinar-lhe matemática. Os problemas políticos ingleses e o cada vez maior número de refugiados políticos levou-o a de novo para a filosofia política. Assim, em 1647 publicou uma segunda edição, aumentada, do De Cive, e a sua tradução inglesa em 1651. Em 1650 publicou Os Elementos da Lei em duas partes, a Natureza Humana e o De Corpore Politico (Do Corpo Político).
 

Em 1651 publicou a sua obra-prima, o Leviatã. Carlos I tinha sido executado e a causa realista parecia completamente perdida, por isso no fim da obra tentou definir as situações em que seria possível legitimamente a submissão a um novo soberano. Tal capítulo valeu-lhe o desagrado da corte do novo rei de Inglaterra, no exílio, já que se pensava que Hobbes estava a tentar cortejar o regime republicano em Inglaterra. Excluído da corte inglesa e suspeito para as autoridades francesas, devido aos seus ataques contra o Papado, Hobbes regressou de facto a Inglaterra nesse ano de 1651. 



O regresso a Inglaterra não se fez sem perigos, já que Hobbes tinha atacado o sistema universitário, devido ao seu antigo apoio ao Papa, continuando a criticá-lo devido à manutenção de um ensino baseado em conhecimentos ultrapassados. De facto, a Universidade de Oxford criticou-o duramente em 1655, quando da saída do De Corpore. Hobbes impressionado com os progressos de Galileu na mecânica, tentou explicar todos os fenómenos e os próprios sentidos com base do movimento dos corpos. A posição foi muito criticada dando origem a uma polémica que durou até 1662, ano em que se defendeu, com sucesso, de ter abandonado Carlos II, no exílio.

Com a Restauração da monarquia inglesa, em 1660, na pessoa de Carlos II, Hobbes voltou a ser  admitido na corte, contra o parecer dos bispos, passando mesmo a receber uma pensão do rei. Em 1666-67 Hobbes sentiu-se realmente ameaçado, devido à tentativa de aprovação no Parlamento de uma lei contra os ateus, e os profanadores de túmulos, já que a comissão encarregue de discutir a lei  tinha por dever analisar O Leviatã. Hobbes defendeu-se afirmando que não havia em Inglaterra nenhum tribunal com jurisdição sobre as heresias, desde a extinção da «high court of comission», em 1641. O parlamento acabou por não aprovar a lei contra o ateísmo, mas mesmo assim Hobbes nunca mais pôde publicar sobre a conduta dos homens, possivelmente o preço que o rei acordou para Hobbes ser deixado em paz.


Hobbes e o pensamento político.
Hobbes quis fundar a sua filosofia política sobre uma construção racional da sociedade, que permitisse explicar o poder absoluto dos soberanos. Mas as suas teses, publicadas ao longo dos anos, e apresentadas na sua forma definitiva no Leviatã, de 1651, não foram bem aceites, nem por aqueles que, com Jaime I, o primeiro rei Stuart de Inglaterra, defendiam que «o que diz respeito ao mistério do poder real não devia ser debatido», nem pelo clero anglicano, que já em 1606 tinha condenado aqueles que defendiam «que os homens erravam pelas florestas e nos campos até que a experiência lhes ensinou a necessidade do governo.»

A justificação de Hobbes para o poder absoluto é estritamente racional e friamente utilitária, completamente livre de qualquer tipo de religiosidade e sentimentalismo, negando implicitamente a origem divina do poder.
O que Hobbes admite é a existência do pacto social. Esta é a sua originalidade e novidade.
Hobbes não se contentou em rejeitar o direito divino do soberanos, fez tábua rasa de todo o edifício moral e político da Idade Média. A soberania era em Hobbes a projecção no plano político de um individualismo filosófico ligado ao nominalismo, que conferia um valor absoluto à vontade individual. A conclusão das deduções rigorosas do  pensador inglês era o gigante Leviatã, dominando sem concorrência a infinidade de indivíduos, de que tinha feito parte inicialmente, e que tinham substituído as suas vontades individuais à dele, para que, pagando o preço da sua dominação, obtivessem uma protecção eficaz. Indivíduos que estavam completamente entregues a si mesmos nas suas actividades normais do dia-a-dia.

Infinidade de indivíduos, porque não se encontra em Hobbes qualquer referência nem à célula famíliar, nem à família alargada, nem tão-pouco aos corpos intermédios existentes entre o estado e o indivíduo, velhos resquícios da Idade Média. Hobbes refere-se a estas corporações no Leviatã, mas para as criticar considerando-as «pequenas repúblicas nos intestinos de uma maior, como vermes nas entranhas de um homem natural». Os conceitos de «densidade social» e de «interioridade» da vida religiosa ou espiritual, as noções de sociabilidade natural do homem, do seu instinto comunitário e solidário, da sua necessidade de participação, são completamente estranhos a Hobbes.

É aqui que Hobbes se aproxima de Maquiavel e do seu empirismo radical, ao partir de um método de pensar rigorosamente dedutivo. A humanidade no estado puro ou natural era uma selva. A humanidade no estado social, constituído por sociedades civis ou políticas distintas, por estados soberanos, não tinha que recear um regresso à selva no relacionamento entre indivíduos, a partir do momento em que os benefícios consentidos do poder absoluto, em princípio ilimitado, permitiam ao homem deixar de ser um lobo para os outros homens. Aperfeiçoando a tese de Maquiavel, Hobbes defende que o poder não é um simples fenómeno de força, mas uma força institucionalizada canalizada para o direito (positivo), - «a razão em acto» de R. Polin - construindo assim a primeira teoria moderna do Estado.
Deste Estado, sua criação, os indivíduos não esperam a felicidade mas a Paz, condição necessária à prossecução da felicidade. Paz que está subordinada a um aumento considerável da autoridade - a do Soberano, a da lei que emana dele.

Mas, mesmo parecendo insaciável, esta invenção humana com o nome de um monstro bíblico, não reclama o homem todo. De facto, em vários aspectos o absolutismo político de Hobbes aparece como uma espécie de liberalismo moral. Hobbes mostra-se favorável ao desenvolvimento, sob a autoridade ameaçadora da lei positiva, das iniciativas individuais guiadas unicamente por um interesse individual bem calculado, e por um instinto racional aquisitivo.

 O LEVIATÃ, DE HOBBES No Leviatã Hobbes (1587-1666) parte do princípio de que os homens são egoístas e que o mundo não satisfaz todas as suas necessidades, defendo por isso que no Estado Natural, sem a existência da sociedade civil, há necessariamente competição entre os homens pela riqueza, segurança e glória. A luta que se segue é a «guerra de todos contra todos», na célebre formulação de Hobbes, em que por isso não pode haver comércio, indústria ou civilização, e em que a vida do homem é «solitária, pobre, suja, brutal e curta.» A luta ocorre porque cada homem persegue racionalmente os seus próprios interesses, sem que o resultado interesse a alguém.

Como é que se pode terminar com esta situação ? A solução não é apelar à moral e à justiça, já que no estado natural estas ideias não fazem sentido. O nosso raciocínio leva-nos a procurar a paz se for possível, e a utilizar todos os meios da guerra se a não conseguirmos. Então como é que a paz é conseguida. Somente por meio de um contrato social. Temos que aceitar abandonar a nossa capacidade de atacar os outros em troca do abandono pelos outros do direito de nos atacarem. Utilizando a razão para aumentar as nossas possibilidades de sobrevivência, encontrámos a solução.

Sabemos que o contrato social resolverá os nossos problemas. A razão leva-nos a desejar um tal acordo. Mas como realizá-lo ? A nossa capacidade de raciocinar diz-nos que não podemos aceitá-lo enquanto os outros o não fizerem também. Nem um contrato prévio, muito menos a promessa, são suficientes para pôr em prática o acordo. É que, baseando-nos no nosso próprio interesse, só manteremos os contratos ou as nossa promessas se for do nosso interesse. Uma promessa que não pode ser obrigada a ser cumprida não serve para nada. Assim ao realizar o contrato social, temos que estabelecer um mecanismo que o obrigue a ser cumprido. Para o conseguirmos temos de entregar o nosso poder a uma ou a várias pessoas que punam quem quebrar o contrato. A esta pessoa ou grupo de pessoas Hobbes chama soberano. Pode ser um indíviduo, uma assembleia eleita, ou qualquer outra forma de governo. 

A essência da soberania consiste unicamente em ter o poder suficiente para manter a paz, punindo aqueles que a quebram. Quando este soberano - o Leviatã do título - existe , a justiça passa a ter sentido já que os acordos e as promessas passam a ser obrigatoriamente cumpridos. A partir deste momento cada membro tem razão suficiente para ser justo, já que o soberano assegura que os que cumprirem os acordos serão convenientemente punidos.

sábado, 10 de maio de 2014

10 bordões políticos da história do Brasil


Como é praxe na política, os governos brasileiros tentaram resumir seus planos para o país em boas frases de efeito. No início, eram apenas declarações que acabaram pegando. Com a profissionalização da propaganda oficial, os bordões viraram verdadeiros slogans. No conjunto, eles resumem a história da República.

1898 - “Nossa vocação é agrícola”


A frase foi proferida por Joaquim Murtinho, ministro da Fazenda do governo de Campos Salles. Ela defendia a agricultura como um todo e a cafeicultura de forma mais específica – e deixava clara qual era a prioridade da política nacional. Era o início da república do “café-com-leite”, com o país na mão das oligarquias mineira e paulista.

1926 - “Governar é abrir estradas”


Tempos antes, na virada do século, o Brasil fez fortuna com o ciclo da borracha, de carona na explosão da produção mundial de carros. O fim da hegemonia agrícola era inevitável. Isso foi percebido por Washington Luís. Ele já usara o slogan entre 1920 e 1924, quando governou São Paulo e abriu 1 326 quilômetros de estradas.

1953 - “O petróleoé nosso”


Getúlio Vargas, que já tinha virado o “pai dos pobres” com a Consolidação das Leis do Trabalho, na época de sua ditadura nos anos 1930, reforçou o nacionalismo econômico – desta vez, em seu governo democrático. Nos anos 1950, uma campanha que tinha como base a intervenção estatal levou à criação da Petrobras, que foi o pilar de seu projeto de desenvolvimento.

1956 - “50 anos em 5”


O lema da campanha presidencial de Juscelino Kubitschek referia-se aos cinco pontos do Plano de Metas, seu projeto desenvolvimentista: energia, transportes, indústria de base, alimentação e educação. Outra idéia presente nele era a de recuperar o tempo perdido. Construir Brasília representava dois ideais importantes: modernidade e integração nacional. O slogan mirava também em outra leitura: “50 anos de progresso em 5 de governo”.

1960 - “Varre, varre, vassourinha”


Durante a construção de Brasília, a UDN, partido de oposição a JK, fez várias acusações de desvios de verba e corrupção do governo. Nas eleições de 1960, Jânio Quadros se apresentou para limpar o país com o jingle da vassoura e acabou eleito. Sete meses e várias medidas impopulares depois (como a proibição de as mulheres usarem biquínis na praia), ele renunciou.

1970 - “Ame-o ou deixe-o”


O país vivia um momento ambíguo. Era o auge da repressão, sob a ditadura de Emilio Garrastazu Médici. Ao mesmo tempo, um momento de orgulho para a população, com o “Pra Frente, Brasil” do tricampeonato na Copa do Mundo de futebol e do milagre econômico. Em tom de ameaça, o slogan chamava quem estava contente para o seu lado e desencorajava a oposição.

1985 - “Tudo Pelo Social”


A saída do presidente João Figueiredo põe fim a 21 anos de ditadura militar e a tão aguardada democracia traz ao povo brasileiro de volta a esperança de igualdade social. O slogan do presidente José Sarney procurava corresponder a esse sentimento, que acabou naufragando junto com o plano do governo para controlar a inflação, o Cruzado.

1993 - “Brasil, união de todos”


Ao se manifestar contra Fernando Collor, a opinião pública não deixou opção para o Congresso no processo de impeachment do presidente. Depois desse turbilhão, o slogan de governo de Itamar Franco, vice-presidente empossado, pretendia homenagear o povo que, pela primeira vez na história do país, acabara de tirar do poder um presidente acusado de corrupção.

2001 - “Avança, Brasil”


Com a inflação sob controle, o segundo governo de Fernando Henrique Cardoso lança o plano “Avança, Brasil”. Um dos principais objetivos era a geração de empregos – mas a manutenção da estabilidade econômica, forçada em contrato com o FMI, acabou sendo a grande prioridade. O nome do plano acaba virando um dos lemas do governo (o outro era “Brasil em ação”).

2004 - “O melhor do Brasil é o brasileiro”


O slogan oficial do governo Lula é “Brasil, país de todos”. Mas ele apóia formalmente a campanha “Eu sou brasileiro e não desisto nunca”, da Associação Brasileira de Anunciantes. A frase acabou sendo usada ironicamente em referência ao próprio presidente, que concorreu quatro vezes ao planalto e agora enfrenta denúncias de corrupção.

AS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS DE 1824 A 1988





Ao estudarmos as constituições que o Brasil já teve, e suas principais emendas, fazemos uma importante revisão sobre conteúdos de nossa história. Os contextos econômicos, sociais e políticos do Brasil de cada época, desde a independência até os dias atuais, estão refletidos nas linhas mestras de nossas cartas magnas.
Precisamos lembrar que nossas constituições são apenas textos. Se serão meras utopias ou se servirão de indicativos para a conquista de direitos e, consequentemente, para a construção de uma sociedade mais justa e digna vai depender de nossa participação enquanto homens e mulheres em busca de uma verdadeira cidadania. 


1)Constituição de 1824

CONTEXTO Após a independência do Brasil ocorreu uma intensa disputa entre as principais forças políticas pelo poder: O partido brasileiro, representando principalmente a elite latifundiária escravista, produziu um anteprojeto, apelidado "constituição da mandioca", que limitava a poder imperial (antiabsolutista) e discriminava os portugueses (antilusitano).
Dom Pedro I, apoiado pelo partido português (ricos comerciantes portugueses e altos funcionários públicos), em 1823 dissolveu a Assembleia Constituinte brasileira e no ano seguinte impôs seu próprio projeto, que se tornou nossa primeira constituição.

CARACTERÍSTICAS:

Nome do país – Império do Brasil
Carta outorgada (imposta, apesar de aprovada por algumas câmaras municipaisda confiança de D. Pedro I).
Estado centralizado / Monarquia hereditária e constitucional .Quatro poderes (Executivo / Legislativo / Judiciário / Moderador (exercido pelo imperador) O mandato dos senadores era vitalício
Voto censitário (só para os ricos) e em dois graus (eleitores de paróquia / eleitores de província) Estado confessional (ligado à Igreja – catolicismo como religião oficial) Modelo externo – monarquias européias restauradas (após o Congresso de Viena)
Foi a de maior vigência (durou mais de 65 anos) Obs.: foi emendada em pelo ato adicional de 1834, durante o período regencial, para proporcionar mais autonomia para as províncias. Essa emenda foi cancelada pela lei interpretativa do ato adicional, em 1840.

2) Constituição de 1891
CONTEXTO: Logo após a proclamação da república predominaram interesses ligados à oligarquia latifundiária, com destaque para os cafeicultores. Essas elites influenciando o eleitorado ou fraudando as eleições ("voto de cabresto") impuseram seu domínio sobre o país ou coronelismo.
CARACTERÍSTICAS:
Nome do país – Estados Unidos do Brasil Carta promulgada (feita legalmente) Estado Federativo / República Presidencialista Três poderes (extinto o poder moderador) Voto Universal (para todos / muitas exceções, ex. analfabetos) Estado Laico (separado da Igreja) Modelo externo – constituição norte-americana Obs.: as províncias viraram estados, o que pressupõe maior autonomia.

3) Constituição de 1934
CONTEXTO: Os primeiros anos da Era de Vargas caracterizaram-se por um governo provisório (sem constituição). Só em 1933, após a derrota da Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo, é que foi eleita a Assembléia Constituinte que redigiu a nova constituição.
CARACTERÍSTICAS:
Nome do país – Estados Unidos do Brasil
Carta promulgada (feita legalmente) Reforma Eleitoral – introduzidos o voto secreto e o voto feminino. Criação da Justiça do Trabalho Leis Trabalhistas – jornada de 8 horas diárias, repouso semanal, férias
remuneradas (13 salário só mais tarde com João Goulart).
Foi a de menor duração / já em 1935, Vargas suspendia suas garantias através do estado de sítio. Obs.: Vargas foi eleito indiretamente para a presidência.

4) Constituição de 1937
CONTEXTO: Como seu mandato terminaria em 1938, para permanecer no poder Vargas deu um golpe de estado tornando-se ditador. Usou como justificativa a necessidade de poderes extraordinários para proteger a sociedade brasileira da ameaça comunista ("perigo vermelho") exemplificada pelo plano Cohen (falso plano comunista inventado por seguidores de Getúlio).O regime implantado, de clara inspiração fascista, ficou conhecido como EstadoNovo.
CARACTERÍSTICAS:
Nome do país – Estados Unidos do Brasil.
Carta outorgada (imposta)
Inspiração fascista – regime ditatorial, perseguição e opositores, intervenção do estado na economia.
Abolidos os partidos políticos e a liberdade de imprensa.
Mandato presidencial prorrogado até a realização de um plebiscito (que nunca foi realizado)
Modelo externo – Ditaduras fascistas (ex., Itália, Polônia, Alemanha)
Obs.: Apelidada de "polaca"

5) Constituição de 1946
CONTEXTO: Devido ao processo de redemocratização posterior a queda de Vargas fazia-senecessária uma nova ordem constitucional. Daí o Congresso Nacional, recém eleito, assumir tarefas constituintes.
CARACTERÍSTICAS:
Nome do país – Estados Unidos do Brasil
Carta promulgada (feita legalmente)
Mandato presidencial de 5 anos (quinquênio)
Ampla autonomia político-administrativo para estados e municípios.
Defesa da propriedade privada (e do latifúndio)
Assegurava direito de greve e de livre associação sindical
Garantia liberdade de opinião e de expressão.
Contraditória na medida em que conciliava resquícios do autoritarismo anterior(intervenção do Estado nas relações patrão x empregado) com medidas liberais(favorecimento ao empresariado).
Obs.: Através da emenda de 1961 foi implantado o parlamentarismo, com situação para a crise sucessória após a renúncia de Jânio Quadros. Em 1962, através de plebiscito, os brasileiros optam pela volta do presidencialismo.

6) Constituição de 1967
CONTEXTO: Essa constituição na passagem do governo Castelo Branco para o Costa e Silva, contexto no qual predominavam o autoritarismo e o arbítrio político. Documento autoritário e constituição de 1967 foi largamente emendada em 1969, absorvendo instrumentos ditatoriais como os do AI-5 (ato institucional n 5) de 1968.
CARACTERÍSTICAS:
Nome do país – República Federativa do Brasil
Documento promulgado (foi aprovado por um Congresso Nacional mutilado pelas cassações)
Confirmava os Atos Institucionais e os Atos Complementares do governo militar.
Obs.: reflexo da conjuntura de "guerra fria" na qual sobressaiu a "teoria da segurança nacional" (combater os inimigos internos rotulados de subversivos (opositores de esquerda) 

 7) Constituição de 1988
"Constituição Cidadã"
CONTEXTO: Desde os últimos governos militares (Geisel e Figueiredo) nosso país experimentou um novo momento de redemocratização, conhecido como abertura. Esse processo se acelerou a partir do governo Sarney no qual o Congresso Nacional produziu nossa atual constituição.

CARACTERÍSTICAS:
Nome do país – República Federativa do Brasil
Carta promulgada (feita legalmente)
Reforma eleitoral (voto para analfabetos e para brasileiros de 16 e 17 anos)
Terra com função social (base para uma futura reforma agrária?)
Combate ao racismo (sua prática constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão)
Garantia aos índios da posse de suas terras (a serem demarcadas)
Novos direitos trabalhistas – redução da jornada semanal, seguro desemprego, férias remuneradas acrescidas de 1/3 do salário, os direitos trabalhistas aplicam-se aos trabalhadores urbanos e rurais e se estendem aos trabalhadores domésticos.
Obs.: Em 1993, 5 anos após a promulgação da constituição, o povo foi chamado a definir, através de plebiscito, alguns pontos sobre os quais os constituintes não haviam chegado a acordo, forma e sistema de governo. O resultado foi a manutenção da república presidencialista.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

20 FOTOS QUE PARECEM SER ALGO MUITO ESTRANHO MAS NÃO SÃO.






















Profecias de Nostradamus ainda despertam medo e admiração

O francês Michel de Nostredame (1503-1566) fez muita coisa ao longo de sua movimentada vida: estudou medicina, inventou seus próprios remédios, traçou o horóscopo de membros da realeza (entre vários clientes que tinha). Mas talvez seu maior talento tenha sido a capacidade de criar uma aura de mistério em torno de si mesmo. Ao mudar seu sobrenome para Nostradamus (forma latinizada de Nostredame, que caía bem numa época em que a sabedoria da Antiguidade era redescoberta) e escrever centenas de versos enigmáticos que chamava de "profecias", ele caiu nas graças dos poderosos de seu tempo e ainda cativa quase todo mundo que tenha uma quedinha pelo sobrenatural. Para seus defensores mais ardorosos, o profeta anteviu todos os grandes acontecimentos da História entre sua morte e os dias de hoje, sem falar no que ainda aguarda a humanidade no futuro, claro.

A fama atual do vidente francês vem principalmente de Les Propheties ("As Profecias"), nome que deu à coletânea de suas previsões, quase todas escritas em quadras rimadas. Curiosamente, trata-se de uma forma poética que, em português, está mais associada a versinhos infantis, do tipo "Batatinha quando nasce". A diferença é que cada um dos versos de Nostradamus tem dez sílabas, não sete, mas o tipo de rima alternada, com quatro versos no total, é o mesmo.

Ilustração: Samuel Casal

Por estarem reunidas, quase sempre, em grupos de 100, as quadras ficaram conhecidas também como As Centúrias. Ao todo, Nostradamus publicou exatamente nove conjuntos de 100 quadras e um décimo com 42 quadras. Um erro de tradução, muito comum em português, fez com que os textos também fossem chamados de Os Séculos, provavelmente por influência da palavra inglesa centuries, usada para designar tanto centúrias quanto séculos. A primeira coletânea dos versos saiu em 1555 e foi sendo ampliada até a edição final, divulgada após a morte do autor, em 1568.

As datas de nascimento e morte e as publicações das profecias estão entre os poucos fatos indiscutíveis sobre a vida de Nostradamus. Muitos outros detalhes estão cercados de polêmica e dúvida - a aura enigmática ao redor do mais famoso vidente da história só cresceu após sua morte e existem poucas fontes contemporâneas sobre ele.

Sabemos, por exemplo, que o profeta nasceu em Saint-Rémy-de-Provence, no sul da França, e que seu avô tinha se convertido do judaísmo para o catolicismo.

Embora tenha sido tratado como "doutor" por alguns de seus contemporâneos, o biógrafo Peter LeMesurier sustenta que Nostradamus não conseguiu se formar em medicina. Ele foi expulso da Universidade de Montpellier, onde fazia o curso de ciências médicas, quando se descobriu que havia trabalhado como boticário (preparador de remédios, um tipo rudimentar de farmacêutico) - profissão vedada aos estudantes pelo estatuto universitário.

Para um visionário com poderes paranormais, Nostradamus deixou a desejar em várias ocasiões. Um dos casos mais curiosos envolve seu testamento. "É cheio de cláusulas, como o detalhe de que a parte que deixava à viúva seria dela apenas caso não se casasse novamente; a das filhas, quando elas se casassem; e a dos filhos, se e quando completassem 25 anos. Idêntico ao testamento de qualquer pessoa sem nenhum dom profético", diz Kentaro Mori, criador do site Ceticismo Aberto, dedicado à investigação de supostos fenômenos sobrenaturais.

Seja como for, as primeiras versões de As Centúrias fizeram com que Nostradamus ganhasse uma admiradora de peso. Era a rainha da França, Catarina de Medici, que, em 1556, achou ter visto nos versos presságios de tragédias na família real. "O jovem leão triunfará sobre o mais velho/No campo de combate na única batalha/Perfurará os olhos através da jaula dourada/Dois ferimentos em um, depois uma morte cruel". Ocorre que o rei Henrique II tombou numa justa (um duelo "de brincadeira") com Gabriel de Lorges, o bem mais jovem conde de Montgomery. A lança perfurou o capacete do soberano (a jaula dourada), entrou pelo olho direito e saiu pela orelha (dois ferimentos em um). A explicação exata só apareceu depois do acidente (do contrário, ele teria sido evitado), mas a rainha logo pediu ao sábio que traçasse o mapa astral de seus filhos.

Escrito nas estrelas

O detalhe dos horóscopos é crucial porque ajuda a entender o prestígio que o conhecimento esotérico tinha na época de Nostradamus. Boa parte dos pensadores do Renascimento tinha muito respeito pela astrologia. É o caso de Johannes Kepler (1571-1630), responsável por decifrar as leis matemáticas que regem os movimentos dos planetas no Sistema Solar - e que, quando da morte de seu mentor, Tycho Brahe, correu a anotar as posições de Saturno, da Lua e de Marte para confirmar que os astros tinham determinado o falecimento do mestre. Sir Isaac Newton (1643-1727), pai da teoria da gravidade, era obcecado pela decifração de profecias bíblicas. "Costumamos deixar ciência, religião e misticismo separados, mas o fato é que os manuscritos de Newton abordam principalmente estudos místicos e esotéricos", diz Mauro Condé, professor de História e de Filosofia da Ciência da UFMG.

Nostradamus defendia a possibilidade de estimar a ocorrência de eventos futuros com base na repetição da configuração dos astros em eventos passados. Grosso modo, se a disposição astral que anunciou a morte de um imperador ou uma invasão bárbara se repetir, é porque coisas assim vão acontecer de novo.

É possível identificar nas Centúrias influências de augúrios de várias fontes anteriores. O livro bíblico do Apocalipse é um caso óbvio, mas Nostradamus também teria se inspirado em textos de historiadores da Antiguidade, como o romano Suetônio, e nos do monge medieval Joaquim de Fiore. Mas a característica mais marcante das quadras é o fato de elas serem quase impenetráveis à interpretação. "São sempre muito vagas mesmo", afirma Mori. A linguagem não ajuda. Além de uma sintaxe truncada, inspirada na do poeta romano Virgílio (que funciona em latim, mas não tanto em francês), Nostradamus recorre a palavras gregas, latinas, italianas e provençais (dialeto do sul da França).

O uso de datas não é frequente - quando elas aparecem, em geral é preciso esforço para achar uma correlação. Um dos exemplos mais famosos, que ilustra bem esse caráter genérico das previsões, é a quadra 51 da segunda centúria. Nela, o vidente diz: "O sangue dos justos será exigido em Londres/Queimada pelos relâmpagos em três vezes vinte mais seis/A dama antiga cairá de sua alta posição/Muitos da mesma seita serão mortos". A interpretação tradicional é que o texto se refere ao incêndio que devastou Londres em 1666 (multiplicando o número 20 por 3 e somando 6, temos 66), matando muitas pessoas inocentes (os "justos") e destruindo a Catedral de São Paulo, a "dama antiga". O detalhe é que a catedral, até onde se sabe, nunca teve esse apelido. Versões da quadra posteriores ao desastre substituíram "relâmpagos" por "fogo", aparentemente no esforço de deixá-la mais verossímil. O mesmo ocorre na análise de outros versos. Ainda que tenha acertado, o profeta é tão genérico que até hoje ninguém conseguiu prever um acontecimento de monta com base em sua obra. O que há é a correlação após o fato.

Considere outra quadra famosa, a 24ª da centúria II: "Feras enlouquecidas de fome atravessarão os rios/A maior batalha será contra o Hister/Ele fará com que grandes homens sejam arrastados numa jaula de ferro/Quando o filho da Alemanha nenhuma lei observar". Nesse caso, a referência ao "Hister" (nome latino do rio Danúbio na Antiguidade) é lida como uma profecia da ascensão ao poder de Hitler e da Segunda Guerra.

Ao vidente são atribuídas previsões sobre a Primeira Guerra (centúria V-85), e a conquista da Lua (centúria IV-31), entre muitas "façanhas". Sobre o que há pela frente, antes do fim do mundo em 3797, teríamos, por exemplo, o fim do Vaticano ("Bem perto do Tibre, a morte ameaça/Antes haverá uma grande inundação:/O capitão do navio será preso e expulso,/O castelo e o palácio serão queimados" centúria II-93). E a destruição de Paris ("A grande cidade será assustadoramente devastada,/nenhum de seus habitantes conseguirá sobreviver:/Os edifícios, as igrejas e as virgens serão violentados,/A espada, o fogo, as pragas e os canhões nada perdoarão." Centúria III-84).
Diante das teorias mais mirabolantes sobre Nostradamus, é bom recordar a modéstia com que ele se descreve em carta ao filho César, no prefácio de As Centúrias: "Embora, meu filho, eu utilize a palavra ‘profeta’, não atribuiria a mim um título de sublimidade tão elevada".


quarta-feira, 7 de maio de 2014

Pena de morte para virgens defloradas, palmadas para as crianças, regras para a poligamia... e uma política radical de juros. Conheça as leis mais curiosas da Bíblia.

A Bíblia não é apenas a Bíblia. Ela também funciona como uma espécie de Constituição. Natural: o Livro Sagrado não é exatamente um livro, mas uma coleção de 66 livros. Alguns são basicamente de histórias, caso do Gênesis, que narra o início dos tempos e as origens do povo de Israel. Outros não. Eram obras que, antes de entrarem para a Bíblia, tinham vida própria na forma de códigos de conduta. Ou seja: eram versões antigas, escritas entre o século 10 a.C. e 5 a.C., daquilo que hoje conhecemos como "código civil" e "código penal".

Esses códigos, essas leis, estão principalmente nos livros Deuteronômio e Levítico. Mas aparecem por praticamente toda a Bíblia, inclusive no Novo Testamento, escrito a partir do século 1 e que revisa boa parte dessas leis. Por essas, muitos preceitos bíblicos são contraditórios ou sujeitos a mais de uma interpretação. "No contexto em que foram escritos, porém, eles ajudaram a formar um povo com uma identidade tão forte que sobreviveria a séculos de diáspora e uma religião que dominaria o mundo ocidental", diz o historiador Marc Zvi Brettler, professor de estudos judaicos da Universidade Brandeis, nos EUA. Nas próximas páginas, vamos fazer uma viagem pelas leis daquele tempo e daquele espaço. É a Bíblia. Mas como você nunca leu.


MARIDOS & ESPOSAS
Poucas coisas mudaram tanto nos últimos 3 mil anos como a instituição do casamento. Então esse é o nosso primeiro tópico. Para começar, o Velho Testamento deixa claro que as mulheres deveriam ser funcionárias de seus maridos. Funcionárias mesmo: não só com deveres, mas com direitos também. Se uma esposa fosse "demitida" pelo parceiro, por exemplo, podia ganhar uma carta de recomendação, que a moça podia usar como trunfo na hora de tentar uma vaga de mulher de outro sujeito.

Não é exagero falar em "vaga": um homem podia ter tantas esposas quanto quisesse (ou melhor: quanto pudesse adquirir e sustentar). A poligamia era a regra. Tanto que o primeiro caso aparece logo no capítulo 4 do primeiro livro da Bíblia: "E tomou Lameque para si duas mulheres" (Gênesis).

A situação era tão comum que vários dos personagens mais importantes do Antigo Testamento viviam com mais de uma esposa sob o mesmo teto. Abraão acolhe uma segunda mulher a pedido de Sara, sua número 1, que não conseguia ter filhos. Depois a própria Sara dá à luz Isaac, enquanto a escrava Hagar tem Ismael. Nota: a tradição considera o primeiro como pai de todos os judeus e o segundo, patriarca dos povos árabes.

O caso de Jacó, filho de Isaac e também patriarca de todos os judeus, é o mais conhecido: ele casa com as irmãs Lea e Raquel, filhas de Labão. E compra o dote delas trabalhando no pastoreio do sogro por 14 anos - 7 anos de labuta por cada esposa.

Mas nunca na história do Livro Sagrado houve maior predador matrimonial que Salomão, o rei: foram 700 esposas. Setecentas de papel passado, já que o sábio soberano ainda mantinha 300 concubinas. E tudo isso sem pílula nem camisinha... Por isso mesmo o Deuterônimo traz regras para a distribuição de bens entre filhos de diferentes mulheres - os rebentos de mães com mais milhagem em anos de casamento ganham mais. E os primogênitos também. Mas por quê, afinal, a poligamia era a regra lá atrás? "Provavelmente porque havia mais mulheres do que homens entre os judeus, que com frequência estavam envolvidos em guerras violentas. A poligamia, então, era uma forma de garantir a manutenção da população", diz o historiador Richard Friedman, professor de estudos judaicos da Universidade da Geórgia. "Além disso, uma mulher solteira tinha pouquíssimas alternativas para sobreviver, a não ser se prostituir. Quando um único homem é provedor de várias mulheres, essa questão acaba minimizada."

O Novo Testamento não cita tantos exemplos de poligamia, mas sugere que ela ainda era comum no século 1. Jesus não toca no assunto, mas, em duas cartas, são Paulo recomenda que os líderes da nova comunidade cristã tenham apenas uma esposa porque "assim eles teriam mais tempo para dedicar aos fiéis". "O cristianismo só refuta a poligamia quando se aproxima do poder em Roma, que proibia a poligamia", afirma Brettler. Como escreve santo Agostinho no século 5, "em nosso tempo, e de acordo com o costume romano, não é mais permitido tomar outra esposa".

Escravas também tinham direitos: se um homem casava com uma de suas servas, só poderia se divorciar se vendesse a mulher para outro senhor. Bom para a mulher, já que evita a situação constrangedora de trabalhar para o ex - e de graça... Menos "feminista" é outra lei bíblica: quando um homem morre e deixa uma viúva, seu irmão deve casar com ela, para garantir que o patrimônio da família não se perca. O adultério, adivinhe, é crime - pudera: no Brasil mesmo era crime até 2005 (detenção de 15 dias a 6 meses, segundo o artigo 240 do Código Penal). A diferença é que lá a pena era de morte mesmo - para ambos os envolvidos na relação sexual fora da lei.

Mais brando é são Paulo, que dá orientações para o dia a dia do casal. Ele até diz que os homens são a cabeça da relação, mas pede que os maridos respeitem as esposas. Um grande salto para nas regras de matrimônio da Antiguidade.

SEXO
Além de polígamo, qualquer homem podia ter amantes, contanto que oficiais. Eram as concubinas. Jacó trabalhou 14 anos pela posse de suas duas mulheres - mas ganhou duas concubinas de bônus pelos bons serviços prestados. Uma série de regras estabelece como deve ser a vida sexual também: toda mulher tem de se casar virgem, ou então poderá ser dispensada pelo marido - por outro lado, se o marido acusar falsamente a esposa de não ter casado casta, deve permanecer com ela até o fim da vida. Para comprovar sua pureza, a acusada devia apresentar testemunhas dispostas a defender a limpidez do passado dela. As leis sexuais, enfim, eram bem abrangentes: "Quem tiver relações com um animal deve ser morto", diz o Êxodo. E masturbação também não pode. Como diz o sutil são Paulo: "A mulher não pode dispor de seu corpo: ele pertence ao marido. E o marido não pode dispor do seu corpo: ele pertence à esposa". "O sexo na Bíblia é cheio de contradições", diz o arqueólogo Michael Coogan, autor de God and Sex (Deus e o Sexo). "É de se desconfiar que fossem realmente levados a sério naquela época."


BÍBLIA S/A - NEGÓCIOS E FINANÇAS
A ética comercial do Livro Sagrado tem regras simples: não roubar nem trapacear no peso ou fazer nada que prejudique a outra parte. A cobrança de juros também é proibida. As ordens se repetem ao longo da Bíblia, sempre em tom firme: "Não tomarás dele juros nem ganho" (Levítico), "Não emprestando com usura, e não recebendo mais do que emprestou" (Ezequiel). E isso numa época em que a grande moeda corrente eram sacos de grãos. O fato é que a restrição à cobrança de juros é mais antiga do que a Bíblia. As leis da Babilônia, codificadas mil anos antes, já impunham tetos na cobrança de juros, provavelmente para evitar que os mais espertos enriquecessem à custa de empobrecer o resto da sociedade. Jesus, inclusive, radicaliza. Não só condena os juros como também a cobrança do principal (a quantia emprestada inicialmente): "E se emprestardes àqueles de quem esperais receber, que mérito há nisso?" (Lucas). Cristo, aliás, dá muita atenção à cobiça. "Não podeis servir a Deus e às riquezas" (Mateus, 6:24), diz. E pede que seus seguidores façam como os lírios-do-campo, que recebem proteção e alimento da divindade sem precisar trabalhar. Também diz, para desespero de um fiel cheio de posses, um de seus maiores hits verbais: "É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos Céus". Mas existe uma exceção na política bíblica de juros: nos casos em que o empréstimo é concedido a um não-judeu ("um estranho", nas palavras do Deuterônimo), é permitido praticar a usura. Até por isso os judeus se tornaram os grandes banqueiros da Idade Média. Os cristãos também respeitavam a Bíblia, e não emprestavam a juros entre si (para eles, os "estranhos" eram os judeus). Mas num mundo sem juros o estímulo para conceder empréstimos é nulo. Então a maioria cristã pedia empréstimos para quem os concedia, a juros - as minorias judaicas. O fato de os judeus não terem direito à posse de terras também ajudava - emprestar a juros era uma das poucas formas de renda possíveis para quem não tinha como plantar para acumular excedentes.

Se o Livro Sagrado proíbe a cobrança de juros, mas só entre judeus, o mesmo vale para a escravidão. Você pode ter escravos, contanto que "sejam das nações que estão ao redor de vós; deles comprareis escravos e escravas", diz o Levítico. Mas havia uma exceção: era possível a um judeu endividado vender a si mesmo para o credor.

"A escravidão era comum entre todos os povos daquela área, mas os servos eram relativamente bem tratados, sem violência desnecessária. Os próprios israelitas seriam respeitados quando foram forçados ao exílio na Babilônia", afirma a historiadora Catherine Hezser, professora de história das religiões da Universidade de Londres e autora de Jewish Slavery in Antiquity (Escravidão Judaica na Antiguidade).

Por isso mesmo, os israelitas são orientados a conceder uma série de direitos a seus escravos, que servem por 6 anos, e no sétimo são libertados. Se ele for escravizado com a esposa, os dois são libertados juntos. Até para punir os indisciplinados existem regras - se o dono arrancasse um olho do servo, seria obrigado a libertá-lo (Êxodo). Ou seja: a Bíblia também servia como uma espécie de CLT para escravos.

Mas a parte mais humanista nas relações de trabalho previstas na Bíblia é uma regra para os fazendeiros: sempre deixar sem colher as plantações das bordas do terreno. Para quê? Para que as pessoas mais pobres, sem-terra, possam aproveitar essa parte.

MARVADO VINHO
O álcool nem sempre foi consumido com moderação na Bíblia. A palavra "vinho" é citada mais de 200 vezes, e os porres são frequentes: Ló é embebedado pelas filhas e Amnon, filho de Davi, está mais pra lá do que pra cá quando é assassinado por ordem de seu irmão Absalão - a quem interessar: foi pelo crime de ter estuprado a própria irmã, Tamar. "Os sacerdotes são orientados a não beber antes de entrar no templo, e o álcool é relacionado à perda de controle pessoal e da capacidade de diferenciar o bem do mal. Mas nada no texto bíblico proíbe o consumo", diz historiador Marc Zvi Brettler.

O álcool chega a ser recomendado para curar os males da alma. Está no livro Provérbios: "Dai bebida forte ao que está prestes a perecer, e o vinho aos amargurados de espírito".

Às vezes, a coisa era uma festa da uva mesmo. Davi, num arroubo de populismo, oferece uma jarra de vinho a cada cidadão de Israel. E tem o primeiro milagre de Jesus: transformar água em vinho ¿ segundo o evangelista João, no melhor vinho da festa. São Paulo vai mais além: recomenda a um discípulo, Timóteo, que troque a água pelo vinho. A dica tinha um motivo prático. "Às vezes, naquele tempo, era mais saudável consumir álcool do que água, que frequentemente era insalubre", diz Brettler.

SAÚDE E EDUCAÇÃO
A medicina bíblica é obcecada por manchas na pele - uma preocupação muito compreensível para um povo que vivia no deserto, sob um sol escaldante. Os líderes religiosos é que faziam o papel de médicos. "Quando um homem tiver na pele inchação ou pústula, então será levado a Arão ou a um de seus filhos, os sacerdotes" (Levítico).

Os sacerdotes avaliavam pessoalmente cada caso suspeito, seguindo as regras estabelecidas por Deus, transmitidas a Moisés e transcritas no Livro Sagrado. Primeiro, passar azeite sobre o ferimento (o mesmo produto também é recomendado para lavar os cabelos). Depois de uma semana, no retorno da consulta, vem o diagnóstico definitivo: se o pelo sobre a mancha estiver mais claro, e a ferida estiver mais funda do que a pele, o doente tem lepra.

A partir desse momento, a vítima não tem mais espaço na comunidade. É obrigada a andar pelas ruas, anunciando sua condição para evitar que desavisados entrem em contato com o doente e também sejam contaminados. Ocasionalmente, profetas conseguiam curar leprosos. No Novo Testamento, os sacerdotes cristãos são indicados para curar todo tipo de doença. "A oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará" (Tiago).

A preocupação com a pele não era a única norma de conduta social. Era proibido cortar e aparar a barba ou vestir tecidos que misturassem lã e linho (Levítico) - hoje, entre as comunidades que buscam seguir a Bíblia ao pé da letra, existem testadores de tecido, especializados em monitorar a composição das roupas com um microscópio e impedir fiéis de desobedecer à orientação e cometer pecado. Pela regra, também é importante vestir sapatos seguindo uma ordem - primeiro o pé direito. Se for necessário amarrá-lo, é o contrário: primeiro o esquerdo.

A Bíblia também orienta na educação dos filhos. Eles devem ser apresentados a Deus recém-nascidos e, no caso dos meninos, circuncidados no oitavo dia de vida. Ao longo da infância, os pais têm a obrigação de repassar a eles a palavra de Javé. Já o Novo Testamento é mais pedagógico, digamos assim: enfatiza a educação pelo bom exemplo dos pais, para que os jovens respeitem a Deus e se comportem corretamente por vontade própria, e não porque foram forçados. Criar adultos calmos e centrados também é importante. "E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e na admoestação do Senhor" (Efésios). Quando não funcionar, o Antigo Testamento indica que um bastão flexível deve ser usado para bater nos desobedientes (no Brasil, seu uso poderá trazer problemas com a Justiça caso seja aprovada a Lei da Palmada). O objeto tem até nome, vara da correção, e é indicado para qualquer situação em que o pai considere que a criança não seguiu suas instruções.

"A vara e a repreensão dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesma envergonha a sua mãe" (Provérbios), diz o texto bíblico, que promete: o castigo pode dar frutos no futuro. "Disciplina seu filho, e este lhe dará paz, trará grande prazer a sua alma". Mas cuidado - a punição não pode ser exagerada: "Castiga seu filho, mas não te excedas a ponto de matá-lo" (Provérbios).

HOMOSSEXUALIDADE
O amor entre homens era punido com a morte - a não ser que você fosse o rei Davi. Os livros Samuel I e Samuel II contam a história da amizade entre ele e Jonatã, filho do rei Saul, antecessor de Davi e candidato natural ao trono de Israel. Davi acaba escolhido para a sucessão, mas isso não abala o relacionamento dos dois. Está escrito: "A alma de Jonatã se ligou com a alma de Davi. E Jonatã o amou, como à sua própria alma" (Samuel I). Em outra passagem, Jonatã tira todas as roupas, entrega a Davi e se deita com ele. "E inclinou-se 3 vezes, e beijaram-se um ao outro" (Samuel I). "Esse relato incomoda os intérpretes tradicionais da Bíblia, que tentam explicar a relação como uma forte amizade, e o beijo como um costume comum entre homens", diz o historiador finlandês Martii Nissinen, da Universidade de Helsinki e autor de Homoeroticism in the Biblical World (Homoerotismo no Mundo Bíblico). "Mas é difícil negar a referência à homossexualidade nesse caso, mesmo que a lei judaica a proíba expressamente." Em mais de uma ocasião, os relacionamentos entre homens são chamados de "abominação" e "pecado contra Javé". Para alguns especialistas, o Antigo Testamento também sugere um relacionamento homossexual entre duas mulheres, Noemi e sua nora Rute. Está no livro de Rute um trecho em que ela diz a Noemi: "Aonde quer que tu fores irei eu, e onde quer que pousares, ali pousarei eu." Onde quer que morreres morrerei eu, e ali serei sepultada".

SACRIFÍCIOS
Muito sangue jorra na Bíblia. Abraão é orientado a sacrificar seu próprio filho Isaac a Javé - e teria obedecido, caso um anjo não aparecesse no último minuto dizendo era tudo um teste para sua fé. Além disso, durante os 40 dias em que detalha suas regras ao patriarca, Deus exige uma série de sacrifícios de animais.

Os rituais são descritos com grande riqueza de detalhes. Moisés manda matar e drenar 12 bois. O sangue é colocado numa tina. Metade é lançada no altar e o resto sobre a multidão. Carneiros abatidos são esfregados no corpo de fiéis, que seguram seus rins nas mãos para oferecê-los a Javé. Pedaços de bichos são queimados sobre o altar. Era uma forma de trocar favores com os deuses. Por isso mesmo, o sacrifício de animais existe em praticamente todas as culturas da Antiguidade. "O sangue é o maior símbolo da vida. Ao usá-lo em rituais, os fiéis reforçavam seu vínculo com a divindade e se purificavam", diz Richard Friedman.

Jesus aparece com uma novidade: não pede sangue animal. "Eu quero a misericórdia, não o sacrifício". Friedman explica: "Na interpretação cristã posterior, o próprio Jesus é considerado o sacrifício final, que limpa os pecados da humanidade de forma definitiva, o que dispensa a morte de animais".

CRIME E CASTIGO
Sequestro, adultério, homossexualidade, prostituição... Tudo isso dava pena de morte. Até fazer sexo com uma virgem poderia custar a vida do "criminoso". Esse caso, aliás, é um labirinto jurídico: se um homem transar com uma virgem dentro de uma cidade, os dois morrem; se for no campo, só ele. A lógica é que, dentro da cidade, alguém ouviria a virgem gritando por socorro caso o sexo não fosse consentido. Se ninguém ouviu é porque ela não gritou, supõe a lei. E se não gritou é porque cometeu um crime também - o de consentir. No campo é diferente: não dá para saber se ela gritou ou não. Na dúvida, então, morre só o homem.

Matar também dava em pena de morte, claro: "Se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu" (Gênesis). Adorar outros deuses também trazia problemas sérios, já que é sinal de desobediência a um mandamento fundamental: "Não terás outros deuses diante de mim". Moisés chega a mandar matar 3 mil judeus por causa disso.

Matar o próprio escravo também trazia problemas. "Se alguém ferir seu escravo ou sua escrava com um bastão e morrer sob suas mãos, seja punido severamente, mas se sobreviver um ou dois dias, não seja punido, porque é seu dinheiro" (Êxodo). A pena indicada, nesse caso, é o açoite, com um limite de 40 chibatadas.

O Levítico também manda matar prostitutas a pedradas, a não ser que a moça de vida fácil seja filha de um sacerdote. Aí a punição é pior: "Com fogo será queimada". A regra seria fortemente contestada por Jesus, com a famosa frase que salvou Maria Madalena: "Aquele que não tem pecado atire a primeira pedra". Ainda assim, nem todos os autores do Novo Testamento parecem concordar com a recomendação de Cristo. As cartas de são Paulo, por exemplo, defendem o respeito à lei romana, que autoriza o apedrejamento a prostitutas.

Como o Antigo Testamento não aceita o aborto, é crime provocá-lo, mesmo que por acidente, mas a pena depende da gravidade da situação. Se dois homens brigarem e, no meio do quebra-pau, ferirem sem querer uma mulher grávida que estava por perto e provocarem a morte do feto, os dois vão pagar uma indenização estabelecida pelo marido - que perdeu um bem precioso, seu herdeiro. Agora, se a mãe ficar gravemente ferida ou morrer, então vale a famosa lei do Talião - "Olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, golpe por golpe" (Êxodo). Em geral, a pena de morte por apedrejamento não precisava ser julgada pelos sacerdotes. A maioria dos crimes recebia a punição na hora, diante de um grupo de pessoas que presenciaram a cena ou que estavam por perto da cena do crime e foram informadas. Mas também existem regras mais amenas, estas, sim, negociadas dentro dos tribunais e com direito a defesa do acusado. Por exemplo: o Antigo Testamento estabelece que toda mulher menstruada é tão impura que até mesmo os lugares onde ela se senta devem ser evitados. Se um homem encostar na esposa, na mãe ou na irmã nesse período do mês, ele não pode sair de casa por sete dias. E, se fizer isso, pode ter de pagar uma multa.

Em caso de roubo e furto ou qualquer outro prejuízo ao patrimônio alheio, como matar por acidente o cabrito do vizinho, a pena é o pagamento de 4 vezes o valor do bem que foi levado ou destruído. Se a pessoa que cometeu a infração não tivesse condições de pagar, podia ser vendida como escrava.
Tudo isso, é claro, são aspectos de uma vida cotidiana que não existe mais. Mas com a mensagem essencial dos textos sagrados é diferente. E essa mensagem pode ser resumida em uma frase, que também ecoa em todas as grandes religiões da Terra: não faça aos outros o que você não gostaria que fizessem com você. Ou mais ainda, como Jesus diz no Evangelho de Mateus: "Tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós". Está aí uma recomendação impossível de refutar. E que geralmente traz ótimos resultados. Em qualquer lugar, em qualquer tempo.